O contexto atual da mentoria na docência
Os novos modelos educacionais que fazem sentido hoje – mais ativos, criativos, personalizados, colaborativos, que desenvolvem competências amplas – implicam em compreender melhor o papel dos docentes neste processo.
Um dos papéis principais até agora era ajudar os alunos a entender alguns fenômenos através de materiais selecionados. Hoje eles estão disponíveis ou podem ser disponibilizados para que os estudantes aprendam no seu próprio ritmo. Plataformas digitais com inteligência artificial conseguem avaliar quais conteúdos são mais relevantes, que itinerários o estudante pode seguir, e solucionar as questões mais previsíveis, que podem chegar a 80%. Está claro que as tecnologias realizarão cada vez com mais precisão uma parte das atividades dos docentes. O que é essencial hoje no trabalho docente? O que ele precisar focar melhor? O que a tecnologia não consegue dar conta?
O papel docente mais relevante é ajudar os estudantes a aprender de forma profunda, ampla, experiencial, reflexiva. O docente será cada vez mais um orientador, um tutor e um mentor. Um orientador dos caminhos mais interessantes para aprender, das estratégias que fazem mais sentido para cada estudante e para os diversos grupos. Ele será um tutor que ajudará nas dúvidas mais significativas (as básicas a tecnologia o fará), a problematizar, a trazer outros pontos de vista.
O papel mais novo e relevante que se desenha a partir de agora para o docente é o de mentor. Os estudantes podem caminhar sozinhos por roteiros básicos de aprendizagem, podem aprender entre si, mas para um desenvolvimento de competências cognitivas, pessoais e sociais precisam de um acompanhamento mais amplo, entender para que aprendem, o que fazer para ter uma vida com propósito.
O foco em mentoria-tutoria é um tema que precisa ser mais discutido, experimentado, institucionalizado e que abre novas perspectivas de atuação profissional para os docentes, dentro e fora das instituições de Ensino.
O que é mentoria?
É a prática de ajudar ou de aconselhar uma pessoa menos experiente, durante um período de tempo. Sua finalidade é apoiar e incentivar as pessoas a melhorar seu próprio aprendizado para maximizar seu potencial, desenvolver suas habilidades e melhorar seus desempenhos para se tornarem quem desejam se tornar[1].
É uma prática bem enraizada no mundo profissional e que agora ganha atenção nesta fase de transformações profundas pelas que a educação está passando.
Num sentido amplo os docentes serão cada vez mais mentores para que os estudantes consigam desenvolver as competências necessárias em cada área de conhecimento, em cada etapa do processo de aprendizagem, para sua vida profissional e pessoal. Num sentido mais estrito, alguns docentes mais experientes começam a desempenhar novos papéis tanto em instituições educativas inovadoras como em formas de ensinar e de aprender mais abertas, informais, híbridas na educação continuada.
A tutoria é uma orientação mais prática, dirigida a áreas de conhecimento específicas (como acontece nos cursos online) e que pode combinar-se com processos de orientação mais amplos, que envolvem carreira, competências e vida, que são os de mentoria.
Algumas formas de Mentoria na Educação
Mentoria acadêmica e mentoria no desenvolvimento de competências pessoais e sociais
O foco é a formação integral do estudante, que passe não somente por questões acadêmicas e de conhecimento teórico e técnico, mas, competências pessoais e profissionais, a partir dos quatro pilares da Unesco – aprender a ser, a fazer, a conhecer e a conviver.
Gerenciar a vida pessoal e profissional é uma das competências que os estudantes precisam desenvolver, de acordo com as diretrizes atuais da Educação Básica. Devem conseguir refletir – em ambientes de confiança e liberdade – sobre seus desejos e objetivos, aprendendo a se organizar, estabelecer metas, planejar e perseguir com determinação, esforço, autoconfiança e persistência seus projetos presentes e futuros, assim como também a compreensão do mundo do trabalho e das profissões, seus impactos na sociedade, hoje no futuro.
A mentoria acadêmica do docente está centrada na aprendizagem criativa e ativa; de conteúdos trabalhados de forma invertida; na orientação de projetos significativos, e, quando possível, reais; na personalização da aprendizagem (itinerários diferentes, autonomia crescente), no desenho e acompanhamento das atividades colaborativas. A mentoria acadêmica tem o foco ampliado hoje na ênfase na aprendizagem com propósito (orientação de valores e competências pessoais e sociais). Esse trabalho é feito por todos os docentes, de forma ampla, pelos tutores quando orientam áreas mais específicas de conhecimento e por alguns profissionais mais experientes e que abordam a gestão da aprendizagem por competências pessoais e sociais de uma forma mais direta, individualmente ou em pequenos grupos.
A mentoria nesse conceito mais amplo pode ser feita de forma mais formal, planejada, institucional e/ou informal, incentivando que mais profissionais de dentro e fora da instituição atuem como orientadores, de várias formas de docentes mais novos, de docentes orientando estudantes, ou de estudantes mais experientes realizando atividades de tutoria de colegas mais jovens. Hoje nas redes sociais há muitas comunidades de prática, onde quem tem um conhecimento mais consolidado o coloca a disposição do grupo e essas experiências são compartilhadas com todos ou com os que se interessam mais.
Há também as comunidades de aprendizagem em que todos os envolvidos contribuem para o desenvolvimento de projetos interessantes de aprendizagem e onde todos constroem em parceria esse projeto, aproveitando as diversas competências dos participantes.
A mentoria pode ser mais por turma e a mentoria mais personalizada (alunos escolhem seu mentor, que o ajuda a fazer a integração entre aprendizagem e vida). A mentoria/tutoria por turma é mais econômica para a instituição; a mentoria é mais cara, mas, será o caminho no médio prazo. Há tutorias também entre pares, onde alguns estudantes mais experientes são tutores de alunos mais iniciantes, sob supervisão de algum professor-mentor designado pela instituição de ensino.
Assim como em todos os campos de serviços, há uma hibridização nos modelos de mentoria. Existem os totalmente presenciais, os híbridos (parcialmente presenciais e online) e os totalmente online. Com o expressivo avanço dos cursos online tem avançado a qualidade e importância das atividades dos tutores. Cuidam das questões acadêmicas e socioemocionais de forma cada vez mais ampla, que vão desde envolvendo o acolhimento, a manutenção de vínculos, a orientação de grupos, de projetos.
Mentoria na formação docente e mentoria de professores que iniciam sua vida profissional
A mentoria é uma relação colaborativa temporária entre dois docentes, um dos quais, o mentor, é um professor mais experiente que acompanha a prática docente do professor iniciante, fornecendo-lhe feedback e compartilhando estratégias formativas.
O projeto europeu Mentor foi concebido para encorajar e apoiar a implementação de mentoria entre professores, preparando professores, com experiência na respetiva profissão, para que se tornem mentores de professores em início de carreira e, por conseguinte, contribuam para o desenvolvimento profissional dos professores. É um programa desenvolvido em alguns países da Comunidade Europeia e se orienta para a mentoria de professores do ensino Fundamental[2]
Outro programa interessante é o de Mentoria de professores iniciantes na educação pública infantil feito a distância por docentes da Faculdade de Educação da Universidade Federal de São Carlos. [3]
Mentoria entre alunos
Programas de mentoria por pares consistem na orientação e suporte proporcionados por estudantes mais experientes aos novos colegas ou a alunos que apresentam dificuldades. Esse suporte visa o seu desenvolvimento profissional (e.g., desenvolvimento de competências académicas) e psicossocial (e.g., suporte emocional e psicológico). Os estudantes que orientam são alunos-tutores, que, por sua vez, são supervisionados por professores-mentores da Instituição.
Exemplos: Programas da Universidade do Minho em Portugal, das Universidades de Granada, Sevilha, Madri, Burgos, Múrcia e Cádiz, na Espanha.[4]
Outros exemplos de programas pioneiros de mentoria entre alunos. Programa de Mentores de Pares da Universidade de New Brunswick; Programa de Parceria de Assistência de Mentoring da Universidade John Hopkins (Baltimore, Maryland), Programa de Mentores de Estudantes da Faculdade da Universidade Politécnica da Califórnia (Califórnia).
A Drake University (Des Moines, Iowa) designa mentores para grupos de novos alunos (grupos entre cinco e dez). O programa trabalha com os alunos que no verão fazem a pré-inscrição para ingressar na universidade. Aproveitam o início do curso para realizar um seminário para recebê-los e apresentá-los à nova instituição.
Mentoria na Escola e mentoria fora da Escola
Há instituições que integram mentores acadêmicos com mentores profissionais, em currículos realizados em instituições educacionais e empresas ou outras organizações sociais. Destaco o projeto pioneiro da Engenharia Química da USP, que existe desde o começo da década de 90. A partir do terceiro ano do curso, é oferecido no formato Cooperativo em módulos quadrimestrais: Cinco módulos acadêmicos alternam‐se com quatro módulos de estágio. Nos módulos acadêmicos, a ênfase é na permanência do aluno dentro da universidade. Já nos módulos de estágio, são reservados quadrimestres na grade curricular para o exercício, por parte dos alunos, de atividades remuneradas em empresas e instituições, no Brasil e no exterior, que mantêm convênios com a Escola Politécnica. Desse modo, o aluno pode se dedicar exclusivamente às atividades acadêmicas e ao estágio. Cada programa de estágio é aprovado pela Escola para verificação da sua adequação ao projeto pedagógico. Durante o módulo de estágio, o estudante é supervisionado e avaliado pela empresa/instituição, e, também, pela Escola, por meio de relatórios e acompanhamento por um professor/mentor. A educação cooperativa estimula e valoriza o contato do aluno com a prática profissional, possibilitando uma formação teórica e aplicada em engenharia química.[5]
Mentoria para acelerar a inovação educativa
Todas as escolas e universidades estão se transformando de forma mais rápida ou com mais lentidão, mas todas estão buscando modelos que façam sentido para o mundo de hoje e de amanhã. Isto está abrindo um horizonte riquíssimo de possibilidades profissionais de mentoria para ajudar a desenhar esses modelos de transformação, para acelerar os processos de mudança, para orientar esses processos, para alinhar os diferentes grupos com visões diferentes, para acompanhar de perto gestores, docentes e organizações parceiras, para que a visão se transforme mais rapidamente em ação.
A mentoria na educação é uma tendência que faz sentido, vai ser cada vez mais significativa, diversificada e de importância crescente na educação formal e informal e em novos nichos ainda pouco explorados.
Conclusão
Mentoria não é um tema novo, mas a ênfase e possibilidades de atuação hoje começam a ampliar-se de forma significativa.
Mentoria faz sentido como o papel mais relevante na docência tanto na forma mais ampla como mais específica. É um tema que precisa ser mais discutido na comunidade acadêmica, divulgando as melhores práticas, as novas oportunidades que o processo de transformação de escolas e universidades está trazendo para a Educação formal e informal, presencial e online em todas as etapas e níveis.
É um grande campo profissional que se desenha, amplia e consolida.
José Moran
Algumas referências
ALEXANDRE, Renata. Mentoria para professores(as) iniciantes na Educação Infantil: Uma experiência na formação online – UFSCar Disponível em https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/27204_14191.pdf
CASADO-MUÑOZ, R., LEZCANO-BARBERO, F. y COLOMER-FELIU, J. (2015). Diez pasos clave en el desarrollo de un programa de mentoría universitaria para estudiantes de nuevo ingreso. Revista Electrónica Educare, 19(2), 155-180. (Os pesquisadores confirmam que a mentoria também é uma ferramenta oportuna para melhorar a retenção e o sucesso de novos alunos).
CRISP, G. y CRUZ, I. (2009). Mentoring college students: a critical review of the literature between 1990 and 2007. Research in Higher Education, 50(6), 525-545. (mostram o alto potencial do mentoring como uma estratégia de orientação visando alcançar ótimos resultados no ensino superior)
MACIAS, Andrés et alii. Innovación en la Orientación Universitaria. La mentoría como respuesta. Contextos Educativos, 6-7 (2003-2004), 87-112. Universidad de la Rioja. Disponível em:
https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/1049470.pdf
SILVA, Andreza – Coaching Acadêmico: Desenvolvimento de competências para a conquista de resultados. In SILVA, A (Org.). Coaching e suas aplicações. Jundiai: Paco Editorial, 2018. p.103-118.
SILVA, E. & FREIRE, T. Programas de mentoria e promoção do desenvolvimento positivo de adolescentes – Universidade do Minho. Revista Portuguesa de Educação, 2014, 27(1), pp. 157-176 – https://revistas.rcaap.pt/rpe/article/view/4302
SMITH-RUIG, T. (2014). Exploring the links between mentoring and work-integrated learning, Higher Education Research & Development, 33(4), 769-782. (enfatiza os benefícios psicossociais que proporciona e seu grande valor para o planejamento e desenvolvimento das carreiras profissionais dos estudantes.)
[1] PARSLOE, E. Coaching Mentoring and assessing. London: Kogan Page Limited, 1995.
[2] http://edu-mentoring.eu/project.html
[3] Renata ALEXANDRE. Mentoria para professores(as) iniciantes na Educação Infantil: Uma experiência na formação online – UFSCar Disponível em https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/27204_14191.pdf
[4] SILVA, E. & FREIRE, T. Programas de mentoria e promoção do desenvolvimento positivo de adolescentes – Universidade do Minho. Revista Portuguesa de Educação, 2014, 27(1), pp. 157-176 – https://revistas.rcaap.pt/rpe/article/view/4302
[5] Projeto Político Pedagógico ‐ Estrutura Curricular 3 Habilitação em Engenharia Química Escola Politécnica da USP- http://ec3.polignu.org/wp-content/uploads/2013/04/U_EngQuimCoop_1_PPP-EC3-2014-Engenharia-Qu%C3%ADmica.pdf
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