Depois de dois anos tão excepcionais vivendo realidades tão inesperadas em todos os campos, enfrentamos agora cenários bem desafiadores e desiguais na educação. O que manter e o que modificar a partir de agora? A experiência do digital forçado deixou o país mais dividido ainda: Uma parte conseguiu se sair relativamente bem, enquanto outra ficou bem para trás seja pelas condições econômicas ou por não se adaptar ao modelo online. Avançou na sociedade a percepção de que podemos aprender de múltiplas formas, em diferentes espaços físicos e digitais, síncronos e assíncronos; sozinhos, em grupos, redes e com mentoria; no curto e longo prazo e ao longo da vida.
A educação escolar precisa ser redesenhada em um mundo muito mais híbrido, conectado e, no Brasil, tão desigual. A separação entre espaços físicos presenciais e digitais diminuiu, se reconfigurou – como em outras áreas da nossa vida – e há um crescente consenso de que construiremos, a partir de agora, muitas propostas diferentes de ensinar e de aprender híbridas, mais flexíveis, personalizadas e participativas, de acordo com a situação, necessidades e possibilidades de cada aprendiz. As arquiteturas pedagógicas serão mais abertas, personalizadas, ativas e colaborativas, com diferentes combinações, arranjos, adaptações num país com realidades muito desiguais.
Os modelos curriculares uniformes, de sequência linear não fazem sentido numa sociedade com amplo acesso às informações, às redes sociais e comunidades e em que cada pessoa precisa resolver problemas complexos de forma rápida e eficiente. Hoje podemos redesenhar as melhores combinações possíveis na integração de espaços, tempos, metodologias, para oferecer as melhores experiências de aprendizagem à cada estudante de acordo com suas necessidades e possibilidades.
Educação em espaços flexíveis significa que podemos redesenhar todas as possibilidades de aprender incorporando as trilhas individuais que cada aluno possa realmente desenvolver cada vez com mais autonomia no presencial e no digital e, também, as diversas formas de aprendizagem em grupo, entre pares através de projetos, jogos de forma síncrona e assíncrona com apoio de plataformas e aplicativos digitais, mediação docente e ações de tutoria e mentoria.
Para inovar precisamos de ambientes de confiança, de respeito; ter gestores e docentes valorizados e escolas abertas para a comunidade e para o mundo. Um dos grandes problemas da cultura no Brasil é a difícil relação de confiança social. Temos uma cultura da afabilidade, mas não de confiança. Sem ambientes de confiança, as inovações ou não acontecem ou não se sustentam.
Sabemos que é complexo falar de transformações na educação em um país com uma desigualdade estrutural em todas as dimensões e escolas com realidades tão diferentes. Temos consciência de que as transformações também dependem de políticas públicas com diretrizes coerentes, consensuadas, continuadas e investimentos maiores e melhores na gestão, docência e infraestrutura física e digital. Os desafios, apesar dos avanços, ainda são gigantescos.
O desafio de tornar as escolas e universidades mais atraentes
Todas as escolas e universidades podem e precisam tornar-se interessantes, criativas, empreendedoras, humanas. Podemos encantar, abrir a escola para o mundo, escutar mais ativamente os estudantes, utilizar todas as estratégias para que eles aprendam.
Há questões estruturais que dependem de políticas públicas continuadas, de formação e valorização de docentes e gestores, boa infraestrutura física e digital, entre tantos fatores. Mas vemos escolas interessantes públicas e privadas ao lado de outras pouco atraentes. O que elas têm de diferente?
Escolas interessantes fomentam o clima de transparência, de acolhimento, de diálogo, de compartilhamento de práticas e de envolvimento na tomada de decisões estratégicas de todos os setores da comunidade. O desenho curricular também pode ser mais flexível. Uma parte do percurso é feita pelo estudante, dentro do seu ritmo e circunstâncias e através de escolhas diferentes. Outra parte é realizada em grupo, de forma mais colaborativa, experiencial e reflexiva com a supervisão e mediação dos docentes nos espaços presenciais e digitais, de forma síncrona ou assíncrona. O percurso se amplia com atividades de tutoria e mentoria para o desenvolvimento dos projetos pessoais e de vida de cada estudante. As escolas mais inovadoras são comunidades vivas, com gestores e docentes criativos, humanos e empreendedores, que estão redesenhando os espaços, currículos, metodologias, tecnologias e avaliação de uma forma flexível, contínua e sistêmica.
Escolas interessantes atraem os estudantes, eles gostam dos ambientes, dos docentes, dos projetos. Sabem que vão encontrar ambientes que estimulam a investigação, o diálogo, a solução de problemas, o jogo, a aprendizagem com diversão e ao mesmo tempo com desafios reais.
Escolas interessantes começam com gestores acolhedores, que lideram pelo exemplo, que apoiam docentes, estudantes e famílias. As escolas estão limpas, os ambientes são atraentes e, principalmente, as pessoas são competentes e humanas. Os professores estão motivados, se ajudam, desenham estratégias diversificadas para que os estudantes se engajem, participem, criem, compartilhem. Escolas são vivas e atraentes quando há comunicação, respeito, incentivo. Isso é o básico. Não estamos falando que todas as escolas precisam ter as melhores tecnologias (é ótimo, se for possível), mas o principal é ter um grupo de profissionais que fazem de tudo para encantar crianças e jovens. Sem encantamento não há aprendizagem profunda. Quando os estudantes se encontram em ambientes autoritários, controladores, em que eles só executam tarefas, a aprendizagem é mais superficial e pouco estimulante. Tornar uma escola interessante não depende principalmente de ter uma infraestrutura sofisticada, mas de ter profissionais competentes, abertos, criativos e que se ajudam. Pessoas interessantes e humanas atraem, conquistam, entusiasmam. Pessoas interessantes gostam de aprender, quando ensinam; são flexíveis para adaptar-se a cada situação, pessoa e turma.
Temos escolas com propostas pedagógicas diferentes, umas com mais ênfase em projetos, a maioria em conteúdo, mas todas deveriam saber motivar, atrair, engajar os estudantes, utilizando toda a expertise acumulada em gestão, docência, avaliação. Hoje todos nós, os educadores, somos desafiados a incorporar metodologias ativas, competências digitais, trabalhar com a personalização e a aprendizagem em grupos de forma mais integrada, flexível, compartilhada. Precisamos equilibrar informação com experimentação, teoria e prática, materiais analógicos e digitais, espaços físicos e virtuais. Mas o essencial continua igual: educação é o encontro entre pessoas que se ajudam a evoluir em todas as dimensões vitais: ampliar o conhecimento, as competências socioemocionais e o desenvolvimento de valores humanizadores.
A educação precisa ser empreendedora, assim como a vida, que nos desafia em todos os campos, a todo momento, em todas as áreas com problemas concretos, complexos e multidisciplinares. Aprender empreendendo é a única saída para viver uma vida com significado e evolução em todos os momentos e em todas as dimensões.
A transição dos projetos convencionais para os inovadores
Como fazer a transição dos projetos educacionais convencionais para os inovadores na prática?
Não há uma resposta única, cada escola tem sua cultura e características. Mas todos os currículos precisam ser atualizados, redesenhados para conseguir ser relevantes e diminuir a distância entre escolas inovadoras e escolas que estão ficando defasadas. Há modelos de mudança mais suaves e outros mais radicais. Há mudanças que são viáveis no curto prazo e outras que precisam ser cuidadosamente preparadas para serem bem-sucedidas, evitando possíveis retrocessos e reviravoltas. A inovação pode começar em pequena escala, em uma área que não comprometa a instituição como um todo e que permita uma avalição cuidadosa, antes de ampliá-la para todos.
É importante conhecer as diferentes soluções e modelos, analisá-los e chegar a um consenso dos que melhor se adaptam às necessidades de cada instituição. Uma condição importante é o envolvimento de todos neste processo. Começa por um compartilhamento de ideias, experiências, soluções para, após debates amplos, chegar aos consensos possíveis.
– aproximar mais os docentes: planejar juntos, alguns projetos importantes juntos, uma parte da avaliação juntos.
– aproximar docentes e alunos: conhecê-los, negociar propostas, propostas, procedimentos, projetos, avaliação.
– aproximar gestores, docentes e famílias: projeto pedagógico, apoio nas atividades individuais e grupais dos estudantes. Abrir a escola para que os estudantes e pais participem das decisões importantes; abrir a escola para a comunidade; convidar pais e pessoas da comunidade a compartilhar sua experiência profissional com palestras, oficinas ou a “adotar” alguns estudantes que precisem de maior apoio pedagógico ou socioemocional.
-aproximar gestores, docentes, estudantes, famílias e organizações sociais para o desenho das transformações mais profundas.
Outra ação importante é conhecer e apresentar exemplos concretos de escolas que estão mais avançadas nas metodologias ativas e que fizeram um processo de reengenharia bem-sucedido. É necessário também acompanhar de perto os passos de instituições que atuam no mesmo segmento, para não ficar atrás. Há um impacto forte de novos modelos nas demais escolas, principalmente no ensino privado
O passo seguinte é engajar muitos professores e gestores na promoção de mudanças significativas nas suas práticas pedagógicas, no relacionamento com os alunos, nas metodologias utilizadas, na avaliação, no diálogo constante com as tecnologias digitais com formações continuadas, compartilhamento de práticas, experiências num clima de intensa colaboração e confiança. Sem clima de confiança e apoio institucional, as mudanças serão só pontuais e não estruturais.
As decisões de transformação quanto mais assumidas pela instituição como um todo, melhor. O apoio de mantenedores, gestores e coordenadores à inovação, à busca de uma maior experimentação mobiliza o corpo docente para ousar mais, propor alternativas, compartilhar práticas.
Convém fazer um levantamento de quais docentes e grupos já têm familiaridade com trabalho por projetos, com ensino híbrido, com aula invertida, aprendizagem por times e outras tantas técnicas de engajamento ativo dos estudantes. Tornar visível esse mapa é útil para que a instituição se conheça melhor e possa discutir com mais propriedade as etapas seguintes. Os próprios docentes podem capacitar seus colegas. É muito mais rápido, barato e de feitos rápidos. A aprendizagem por pares é eficaz também entre os docentes. Essas formações podem ser ampliadas com oficinas pontuais de grupos externos para preencher lacunas e apontar novos caminhos.
Uma política inteligente é a de comunicar claramente a todos os envolvidos – alunos, docentes, pais – todo o processo de mudança, o apoio institucional às metodologias ativas, os próximos passos em cada nível de ensino.
Outro caminho é a formação docente em metodologias ativas, com apoio de tecnologias digitais. Realizar formações ativas, imersivas com metodologias ágeis para acelerar as mudanças mentais, na forma de pensar, ensinar e de agir. O propósito é acelerar a transformação do mindset das pessoas; que passem da mentalidade focada na certeza, no medo de falhar para a de arriscar, de estimular a experimentação, o erro, a criatividade, o desafio.
É importante também a formação ativa dos estudantes para que saiam da atitude passiva de esperar que o professor decida tudo por eles para a de perceber que quanto mais se envolvam, pesquisem e resolvam problemas mais eles evoluirão. A formação precisa chegar também às famílias para que compreendam, vivenciem e apoiem as mudanças curriculares, metodológicas, avaliativas e participem ativamente de todo o processo.
Para onde vamos?
Cenários para a Educação em 2040[1]
Acabo de ter acesso ao relatório “De volta ao futuro da Educação – quatro cenários da OCDE”, que aponta quatro cenários possíveis para a educação em 2040: Prolongamento da escola (“Schooling extended”), Educação subcontratada (“Education Outsourced”), Escolas como espaços de aprendizagem (“Learning hubs”) e Aprender à medida que se avança (“Learn as you go”).
A escola estendida (“Schooling extended”)
Os investigadores que imaginaram um cenário de “prolongamento da escola” acreditam que as escolas irão continuar a funcionar no modelo de sala de aula com um adulto presente, mas com horários mais flexíveis, métodos de ensino variados e fronteiras entre disciplinas esbatidas.
“As escolas passam a ter um corpo docente reduzido, mas distinto e bem treinado, que continua encarregado de conceber conteúdos e atividades de aprendizagem, que podem ser depois implementados e monitorados por robôs educativos, juntamente com outros funcionários”, lê-se no relatório.
Já não será “preciso parar e testar”, predizem os investigadores, acrescentando que os alunos terão mais diversidade nas escolhas de conteúdos e trilhas de aprendizagem, mas os tradicionais certificados das habilitações vão continuar a ser o principal passaporte para o sucesso económico e social.
Escolas como espaços de aprendizagem
Uma outra equipe imaginou um outro cenário em que as “escolas são espaços de aprendizagem”, mantendo a maioria das funções tal como as conhecemos atualmente, mas onde a diversidade e a experimentação se tornam predominantes.
Desaparecerão hábitos como dar notas aos alunos e aprender passa a ser uma atividade diária orientada por profissionais da educação, dentro e fora dos limites das salas de aula e das escolas.
As escolas estão abertas à participação de profissionais não docentes: atores locais ou parentes são bem-vindos à escola, assim como parcerias com instituições, como museus ou bibliotecas.
No entanto, “os professores atuam como engenheiros de atividades de aprendizagem em constante evolução, e a confiança no profissionalismo dos professores é elevada”, refere o relatório, sublinhando que “os professores com forte conhecimento pedagógico e ligações próximas a múltiplas redes são cruciais”.
Sistemas escolares atuais vão “desmoronar”
Um outro cenário – intitulado “Educação subcontratada” – prevê o gradual desaparecimento dos sistemas escolares tal como se conhecem atualmente: “Desmoronam-se à medida que a sociedade se torna mais diretamente empenhada na educação dos seus cidadãos”.
A aprendizagem dá-se então através de formas mais diversificadas, podendo haver uma mistura de ensino doméstico, tutoria, aprendizagem ‘online’, mas também o ensino e aprendizagem baseados na comunidade. Haverá um maior envolvimento dos pais, que podem recorrer a serviços de cuidados públicos ou participar em redes comunitárias auto-organizadas.
Em alguns países, a oferta pública passa a ser uma “solução corretiva ou complementar”, proporcionando aos pais um serviço gratuito ou de baixo custo de creches e oferecendo às crianças acesso a oportunidades e atividades de aprendizagem para estruturarem o seu dia.
Também este cenário prevê que os alunos tenham uma maior flexibilidade para avançarem no seu ritmo, podendo combinar a aprendizagem formal com outras atividades.
Apesar das mudanças, “os aspectos culturais da organização de ensino tradicional podem muito bem sobreviver neste cenário, como o professor e o papel dos alunos”, concluem os investigadores.
“O profissional de ensino desaparece”
Por outro lado, no quarto cenário – “Aprender à medida que se avança” (“Learn as you go”) – “o profissional de ensino desaparece”.
Este cenário baseia-se no rápido avanço da inteligência artificial (IA), da realidade virtual e da internet, que os investigadores acreditam que irá mudar completamente a nossa percepção de educação e aprendizagem, permitindo que a educação possa acontecer em todos os lugares e a qualquer hora.
As oportunidades de aprendizagem são gratuitas e levam ao “declínio das estruturas curriculares e ao desmantelamento do sistema escolar”.
Este cenário desenha um mundo onde todas as fontes de aprendizagem são “legítimas”, onde há oportunidades de aprender em todo o lado e os indivíduos são consumidores profissionais da sua própria aprendizagem.
Apesar de desaparecerem os “profissionais de ensino”, há aulas, palestras e várias formas de tutoria que podem ser assistidas ‘offline’ como ‘on-line’, sendo algumas articuladas por humanos, outras criadas pela máquina.
Hábitos enraizados como dar notas aos alunos desaparece e aprender passa a ser uma atividade de todo o dia orientada por profissionais da educação, mas nem sempre dentro dos limites das salas de aula e das escolas.
As escolas estão abertas à participação de profissionais não docentes no ensino: atores locais ou parentes são bem-vindos à escola, assim como parcerias com instituições, como museus ou bibliotecas.
No entanto, “os professores atuam como engenheiros de atividades de aprendizagem em constante evolução, e a confiança no profissionalismo dos professores é elevada”, refere o relatório, sublinhando que “os professores com forte conhecimento pedagógico e ligações próximas a múltiplas redes são cruciais”.
São cenários possíveis, na visão de especialistas do primeiro mundo; provavelmente coexistirão com ênfases diferentes em cada país. Sabemos que nossa realidade é muito complexa e desigual, mas o relatório confirma que precisamos redesenhar o processo de ensinar e de aprender no curto, médio e no longo prazo.
José Moran
[1] Relatório da OCDE 2022, disponível em www.oecd.org/education/trends-shaping-education-22187049.htm
Se você está em busca de uma abordagem educacional inovadora, o professor José Moran é uma referência no assunto. Com uma vasta experiência na área de educação, ele é reconhecido por suas ideias disruptivas e por incentivar a criatividade e a autonomia dos alunos; Aprendendo com pessoas inspiradoras.
Em seu blog sobre Educação Inovadora, o professor José Moran apresenta diversas reflexões e propostas para transformar o processo educacional em algo mais dinâmico, participativo e significativo. Ele acredita que o papel do professor deve ser o de um mediador, que estimula a curiosidade e a colaboração entre os alunos, permitindo que eles aprendam de forma autônoma e integrada.
Além disso, o professor José Moran também discute a importância da tecnologia na educação e como ela pode ser utilizada de forma efetiva para potencializar o aprendizado. Ele defende o uso de ferramentas digitais como forma de ampliar a interação entre os alunos e professores, tornando o processo de ensino e aprendizagem mais dinâmico e estimulante.
Se você está em busca de ideias para inovar a sua prática educacional, não deixe de conferir o blog do professor José Moran sobre Educação Inovadora. Com certeza você encontrará reflexões e propostas inspiradoras para transformar a sua sala de aula em um ambiente mais criativo e participativo. Veja mais matérias aqui.